sexta-feira, 15 de outubro de 2010

se é que as pedras ficam felizes.

Falamos nos momentos em que os fatos nos favorecem. Omitimo-nos quando não.

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Dia 2 de dezembro daquele ano, eu decidi sumir. Fisicamente, pois já existia naquele tempo a presença virtual. Reapareci brevemente em março, entretanto as coisas e as pessoas já tinham começado a mudar. Então desapareci definitivamente (eu achava, pelo menos), não antes de um abraço que talvez me fizesse pensar em ficar, mas não era o certo, aparentemente.

Eu queria ser esquecido, só que não era o que eu fazia o tempo todo. Alguns me encontravam nos prédios antigos e nos novos. Percebia então como a diversidade era restrita. As pessoas se repetiam em vários lugares e um passado ainda mais remoto gostava de voltar.

E ainda havia o mundo virtual.

Neste lugar, existe a ilusão de que quem você conhece está muito próximo, tudo por causa de uma foto do rosto. Só que, em muitos casos, aquilo é apenas um espantalho, fingindo ser o fazendeiro sempre disponível e atento, mas que, na verdade, está muito distante do campo e só aparece nos bons momentos.

Há também os conhecidos virtuais com que não se tem coragem de falar no outro mundo e que só servem para a confabulação de terceiros sobre “por que eles são amigos?”.

Meus amigos viviam bem nessa rede e me enviavam mensagens. E eu ignorava solenemente, até que levasse uma bronca de minha irmã, que monitorava meus avatares, como muitos faziam, ou que chegasse num cúmulo de mal-estar.

Dessa forma, sem mais utilidade agradável, abandonei esta segunda realidade.

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Quando é possível mudar facilmente as informações sobre si e recomeçar, tudo passa a parecer efêmero e quebradiço – a vida online é apenas onde isso é mais evidente. A perenidade das coisas é uma ilusão que serve de desculpa para quando não se deseja mudar, mas que sem ela é difícil continuar nadando.

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Ela.

O que pensa uma garota quando aquele que ela dá mais valor vai para longe e acha que este seguiu em frente? Há o prazer culposo de esperar que ele falhe e volte ou apenas uma melancolia de achar que ficou para trás?

Responder essa pergunta é a forma de tentar preencher o vazio que existe nesta história, e, por associação, na minha mente, entre o desencontro e o reencontro.

Eu tentei perguntar sobre ela, na época, para uma menina que conheço que, por ocasião, passara a estudar na mesma sala que ela. Puxar o assunto era delicado e tentei começar, citando meus amigos fantasiosos do Orkut, das quais ela era uma. Porém o assunto caminhou em uma direção completamente diferente e acabei desistindo.

Por fim, honestamente, depois dos distanciamentos, desistências e abandonos, acabei esquecendo, despreocupando. Com ela, é difícil de imaginar o que se passou.

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O destino.

Sentada, desta vez sozinha, ou pelo menos mais distante dos interlocutores e menos contagiada por eles, com uma expressão de compreensão que de repente se transforma num sorriso, ela me olhou brevemente.

Desta vez eu prestei mais atenção e o caminho me empurrou em sua direção, encontrando-a nos muitos cantos da cidade. Só que, a pouca distância, eu podia ouvir as grandes expectativas de alguém que via o que acontecia com ela como se a esperança de um mundo melhor tivesse se realizado, ou que, no mínimo, visse claramente qual caminho seguir para isso.

Seu olhar tinha o brilho de final feliz e eu tinha me transformado num monstro, um monstro medroso.

Até aquele momento, durante minha vida inteira, eu não havia me acostumado a ter qualquer importância ou que o que eu fizesse pudesse influenciar alguém. Ao perceber que isso acontecia, era normal eu me reter, preocupado em não desapontar as expectativas e tentando analisar o que tinha feito para entender a relação de causa e efeito.

Porém havia um lado perverso nessa situação. Quando eu ficava parado nessa reflexão, a angústia consumia ânimo dela e a dúvida corroía seu espírito.

Silêncio é um ciclo vicioso que só conseguiria quebrar escrevendo ou a sós.

Entretanto, eu, toda semana, malditamente esquecia que às segundas podia encontrá-la sozinha num ponto de ônibus. E ainda cheguei a rascunhar algumas desculpas para a situação – desde sempre até aquele momento. Mas não havia solução, teria de mentir, arrumar uma explicação e criar uma história confortável. Um péssimo jeito de começar qualquer coisa.

Dessa forma seu olhar mudava progressivamente. Encanto, angústia, súplica, raiva, piedade, desprezo.

Então, num momento de decisão, mostrando alguma piedade – a piedade distorcida dos monstros, uma mistura forte de altruísmo e egoísmo –, decidi que o certo a fazer era a destruir todas as ilusões. De que forma poderia lhe fazer bem minha loucura?

O plano era fazer florescer nela a ideia de que devia se afastar psicologicamente de mim. Mas isso tinha de parecer vindo dela. Ou seja, armar algo do tipo – fazer alguém passar a lhe odiar – é um algo que só funciona se não for contado. Se o alvo perceber qualquer coisa que entregue o objetivo, o resultado é nulo.

A destruição era só o que restava, uma vez que esquecimento direto, como já tinha experimentado em outro caso, não é possível.

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A complementação da solução para o problema, o movimento final, é o surgimento de um novo personagem que se encaixe na maioria das características de outro e fingir que sempre se tratou daquele, já que, nesse universo fechado, o que não faltam são papeis repetidos.

Porém este personagem não surge do nada, ele era um secundário, desconhecido, é certo, da maioria do público. Os coadjuvantes formam uma fila para justificar a dissimulação dos protagonistas.

A dificuldade nesse passo é que ele é puramente fortuito. Não há ninguém que o possa controlar externamente.

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Tentava dormir num ônibus apertado, durante um engarrafamento no Humaitá.

Andava apressado pelo grande corredor do CT na hora do almoço.

Ela subia a colina, andando com dificuldade, acompanhada de seu namorado – o caminho deles cortava o ônibus parado no trânsito.

Ela andava no sentido contrário do corredor com livros na mão e mochila nas costas.

De seus jeitos, vestidos de jaleco azul e mochila, pareciam ... *, com a felicidade, mesmo que não exultante em seus rostos, transparente pela companhia do outro, algo típico de pares perfeitos.

*Não vou dizer hobbits em suas caminhadas atrás de cogumelos, pois já fui censurado por fazer isso.

Passamos um pelo outro rapidamente naquela multidão de universitário e toda essa história era apenas um relance sem importância. Talvez ninguém tenha notado que seu olhar mais uma vez havia mudado. Ganhara a altivez.

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Segundo Yamaraja disse-me, há uma maldição, algo parecido com karma instantâneo, que me faz encontrá-la com uma regularidade baixa para ver como ela está bem, mas de forma que eu sinta a indiferença dela ou que eu esteja invisível, separado por um vidro, evitando qualquer tentativa de contato meu.

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É muito provável que a palavra destinadamente não exista.

Enquanto escrevia este post lembrei de uma vez que encontrei na rua uma amiga da minha mãe que é clarividente não profissional. Esse encontro foi um pouco antes do fato onde essa palavra inexistente é citada.

Em sua especialidade de ler as mãos das pessoas e dizer sobre as amenidades amor e dinheiro, ela me disse que havia, no prédio onde estudava, uma garota loira que gostava muito de mim. Na hora, eu pensei em uma colega da faculdade e assim tratei de aproveitar a informação.

Mas agora, com os fatos sendo novamente assimilados no meu cérebro, as histórias, antes distintas, parecem se fechar. Talvez se tratasse dessa, pela segunda vez sendo citada por um esotérico para mim. Eu nunca tinha pensado nisso.

Eu sou um idiota.

(3/3)

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