domingo, 14 de dezembro de 2008

Ícaro

Antes que você vá até o final procurando saber quem escreve ou leia imaginando o narrador, digo meu nome: Marcelo.

Se ainda continua após observar extensão deste, admiro sua persistência, não lhe prometendo recompensa pelo esforço de leitura.

Esta história não é sobre um triunfo, mas sobre uma tragédia. Sim, é um exagero chamar assim algumas das minhas lembranças, as perenes e amargas. Apenas quis dizer que, no fim, não serei eu a rir. Não encontrei palavra melhor. Só chamarei de tragédia mais uma vez.

Com sua boa educação, leitor, você, que nem sabe ainda do que vou falar, já pode pensar em por que remôo estas reminiscências se me fazem algum mal. Remoer não é bem a palavra e nem me fazem mal. Está mais para perseguição, não só de minha parte, como virá a entender melhor após ler.

Adianto, porém, que inclusive os sonhos pertencem a esse “grupo”. Os sonhos que visam me mostrar que o que faço agora é sombra dessas tragédias e que minhas expectativas são mesquinhas e pretensiosas. Os delírios são críticos que nunca me aplaudem de pé.

Pararei agora de enrolar e partirei para o não-triunfo. Peço apenas que deixe de lado toda boa educação que turve sua vista e que guarde para o final qualquer outra pergunta que possa querer fazer, como, por exemplo, qual o objetivo deste texto?

Antes das 16:30, de um dia de outono, de um ano, fazendo, agora, as contas, remoto, decidi ir falar com a garota de nome estranho de quem gostava, mas com quem nunca tinha podido me aproximar e achava, desde véspera, que tinha interesse também por mim.

Não tente adivinhar quem é. Não é ninguém que você vá associar nos primeiros pensamentos. Havia muitos nomes estranhos, acabei por descobrir, singulares.

Não lembro o ano exato, já que estes me passam voando. Digo que perdi a noção de tempo. Mesmo que os minutos e as horas se arrastem, as semanas e os meses correm.

Você já deve imaginar, leitor, que não obtive êxito, uma vez que disse que é uma tra... um não-triunfo. Todavia vou contar primeiro, de forma resumida, o que antecedeu aquela decisão e explicarei alguns significados desse “... também por mim”.

Quando se observa muito, passe-se a observado. Assim ocorreu comigo. De tanta atração a aquela que citei acima, a olhava e a encontrava muito. Por fim, chamei sua atenção e de outros que a circundavam. Com isso, passei a acreditar no seu interesse por mim (primeiro significado do também).

Dentre aqueles que a circundavam, alguns também queriam o mesmo que eu. Ao menos um deles. Tinha seus métodos diferentes dos meus, ficar ao redor, e acabou por se preocupar pela minha observância. Com isso, passei a acreditar que ele a atraísse, já que esta não se afastava (segundo significado do também). Tu já deves imaginar, leitor, que ele obteve êxito. Este é um não-triunfo meu.

À frente de falar dele, escreverei sobre ela.

Ela me pareceu, nos primeiros dias, muito semelhante à outra que tinha conhecido muitos anos antes, mas essa semelhança é uma daquelas que só existe durante um período curto, quando ainda há ignorância sobre quem são as pessoas.

Depois de ela cativar e captar minha atenção, descobri seu nome através de um dos membros deste grupo nomeado a partir de um monstro fabuloso*. Esse senhor a conhecia de uma era anterior, aonde, ainda, todos não deviam ser uniformizados com mangas azuis.

* Quimera: 1. Monstro fabuloso, com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão; 2. Fig. Produto da imaginação; fantasia, utopia, sonho; 3. Incoerência, incongruência, absurdo; Não lhe parece que condiz ao texto?

Falar mais sobre ela será mostrar o que os outros não viam, mostrar o que não era realidade, pois os olhos de ressaca só existem para os Bentos hipnotizados. Tampouco sei descrever bem as pessoas fisicamente, então passo a ele.

Ele só passou a constar na minha memória depois de sua reação a mim, por assim dizer. Não é uma forma correta de dizer isso, mas é a melhor que achei.

A única coisa que merece alguma menção é a semelhança metalingüística, que um tanto confundiu a ele e a mim. O que diferenciava ele de mim neste imenso paralelo era um tec a mais na linhagem e um o a menos na especialização. Apenas.

Eu lhe disse, leitor, não tente adivinhar as personagens.

Tudo o que digo sobre as opiniões alheias envolvidas neste caso é mera indução e imaginação, pois não concretizei minha vontade de saber a verdade.

No momento, leitor muito imaginativo já deve ter concluído o que ocorreu naquela tarde que deu inicio a esta narrativa.

Se não é o seu caso, conto: eu estava sozinho em uma pista de atletismo, ela, ao lado dele, atrás de uma grade metálica, em uma quadra esportiva. Andei meio passo em direção dela, que me olhava. Ele, a quem não dei muita atenção, percebeu minha insinuação e roubou dela um beijo.

Por causa da consternação, perdi a memória do que ocorreu depois. Lembro apenas do rosto de espanto dela. Ou será que era uma ilusão do meu espanto?

O leitor mais exacerbado pode indagar “Só isso? Tanta tragédia por algo tão pueril?”. Respondo: sim e não. A mim, o pior veio depois.

Pensei, dias após o incidente, que ele não teria feito o que fez sem minha pequena ajuda. Também analisei que minha alienação aos outros e que a atenção dele a isto fez e fará uma grande diferença.

Causei meu infortúnio e isto o fez duradouro, tanto quanto o que narro à frente.

Quando os revi (não sei bem quando, a persistência da memória perdeu para a consternação do ego), já eram namorados. Devo mencionar que ainda acreditava poder mudar a realidade, mas era apenas uma daquelas esperanças imortais, que se procurar, ainda devem existir em mim.

Por tudo isso e por também ele achar que eu podia fazer algo, ele e ela me observam insistentemente e ardilosamente. Ele talvez dissesse por telepatia “Você me fez ganhar, mas não me fará perder. Seus erros me ensinam.” Desculpe-me, leitor, pela arrogância. Com ironia do destino, a partir de então houve certa proximidade entre eu, ela e ele, como no caso que conto a seguir.

A banda americana

Ela e eu éramos da mesma turma de educação física e no começo de uma dessas aulas, na piscina, chega à escola uma banda americana cover que iria fazer uma apresentação mais tarde.

Ela não parecia ter essa informação e quis saber quem eram. Estava atrás de mim com uma amiga. Esta, a mando da outra (maldade dizer isso, é só pra ser enfático), pergunta-me e respondo as duas, tentando evitar olhar o olhar que me atraía. Ela quer outra informação, ouço sua voz nas minhas costas. Depois de alguma insistência, a amiga me questiona outra vez.

Imagine o que pensei dessa recusa de falar comigo nem pelo tema mais banal. Timidez.

Na apresentação, estavam eles assistindo a banda que cantava, segundo a própria, os sucessos das rádios americanas, isto é, as músicas que se escutava na extinta Rádio Cidade. Pressentia o Grande Irmão me observando. Paranóia. Minha ou dele?

O tal desconforto durou por outras ocasiões e eu não tive idéia do que dizer a eles. Se, naquela tarde inicial, meu objetivo era o improviso, perceba minha dificuldade em inquirir o que queriam.

Mas a presença constante foi diminuindo, até sumir com o final da uniformidade de manga azul. Entretanto, oito meses depois, ele reapareceu com regularidade em um novo teatro e sua reação a mim foi a mesma de sempre. E isto moldou meus sonhos, a lembrança dela pela presença dele. O quinto círculo do inferno.

Esta regularidade variou entre vários níveis do insuportável, até que terminou por razões que não importam a esta história. E os meses passaram.

Quando soube que não estavam mais juntos, lembro de não reagir. Do que importava pessoas que não via mais? Meses depois, foi noticiado que re-namoravam. Desta vez minha resposta foi colérica, ao menos num instante, em pensamento. Voltando as faculdades mentais normais, achei que então eu deveria ter perdido a importância que tinha, já que não era mais uma das causas da união. Um pouco de triunfo às avessas.

Porém, este ano, outra vez num dia de outono, perto do meio-dia, passei por eles e minha crença que era não-importante se desfez. O olhar dela não foi indiferente a mim. Não prestei atenção nele, como de costume. Mesmo que meu ego tenha gostado do fato, a mim, como todo, os fantasmas se tornaram mais perenes, se isso for possível. E por isso surgiu este texto de palavras tão excêntricas.

Sim, talvez ela ainda tenha interesse em mim, causado pelas aparências e pelos olhares daquela época, todavia foi por ele que houve e há amor, criado pelos fatos e pelos atos.

A curiosidade por mim é tal qual a pelos beija-flores que vêem à sua janela e é menor do que pela banda americana.

Agora pode ver o objetivo destas palavras, deste texto, causar decepção. A loucura e o delírio persistem mais que a razão.

O autor.